21/10/2025 às 18:49

DO-EU

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3min de leitura

DO-EU é uma coleção de obras que nasce da travessia do meu corpo pela fé. O cansaço se misturou com o silêncio e a esperança. São trabalhos que dialogam com o processo de saúde, mas também com algo maior: a presença (ou ausência) de Deus nos dias em que o corpo fraqueja e a alma se recolhe.

Entre a solidão e o tempo, minhas imagens se tornam orações visuais, fragmentos de um diálogo contínuo entre o humano e o divino.

Ato I – Fé Esmaecida

Nas fotografias desse primeiro ato escrevo versos sobre as paisagens, palavras que às vezes se deixam ler, outras se misturam ao fundo e pedem para ser adivinhadas.

São trechos de músicas que falam de fim, de separação e de melancolia.

Essa escrita que ora aparece, ora se apaga, reflete o meu modo de sentir o Criador: existe, mas nem sempre se mostra; é presença que se esconde, amor que se dilui no horizonte.

Em Fé Esmaecida, a imagem se torna uma prece sussurrada, uma confissão íntima entre eu e Ele, mesmo quando o silêncio parece mais alto que qualquer resposta.

Ato II – Pés Cansados

Nesse segundo ato, a fotografia é o corpo que pergunta.

Cada imagem é um fragmento dessa busca: onde está Deus quando o silêncio se prolonga? Onde repousa a fé quando o cansaço toma conta?

Aqui, a espiritualidade não se apoia em certezas, mas em dúvidas.

Pés cansados fala da dor, mas também da persistência. Diante de um Deus insondável o corpo pequeno se afirma, mesmo trêmulo continua em pé.

É nesse gesto que a imagem vira oração: uma fé que insiste em permanecer, mesmo quando tudo parece esmaecer.

Ato III – 364 dias

Foram 364 dias com cateteres nas costas.

Dias em que o corpo doía e o tempo se arrastava, onde o simples ato de existir era um exercício de resistência.

Cada movimento lembrava a vulnerabilidade, o limite, a espera. Eu não sabia se haveria um fim, se o corpo voltaria a ser meu.

Nesse intervalo entre fé e desespero, aprendi a escutar o silêncio. O corpo falava o que as palavras não alcançavam.

E quando o alívio enfim chegou, senti Deus se voltar para mim, não com o estrondo do milagre mas como uma brisa que toca devagar, devolvendo o fôlego e a esperança.

364 dias é o tempo da travessia: a fé que doeu, mas também curou.

Entre abandono, encontro e alívio

DO-EU segue sendo um work in progress.

Novos trabalhos surgem, orbitando essa tríade de abandono, encontro e alívio, estados que se misturam na mesma maré da vida.

Afluente

Essas fotografias não buscam a beleza técnica, nem a nitidez perfeita.

Elas nascem de um corpo em estado de sobrevivência, de gestos contidos pela dor.

Cada fio, cada marca, cada ruído na imagem revela o quanto até o que sustenta a vida pode ferir.

O corpo é território de passagem, e as imagens são o fluxo silencioso entre dor e permanência — um afluente que ainda corre, mesmo quando o rio parece secar.

Gratidão

Durante esse percurso, houve um objeto que atravessou comigo o tempo das dores e das alegrias: uma bolsa pendurada no ombro, fiel testemunha dos meus dias.

Nela eu guardava o que me mantinha viva — as sondas, os fios, as pequenas extensões do corpo.

Com a palavra Gratidão estampada na frente, essa bolsa virou mais que acessório: era uma armadura disfarçada, um lembrete silencioso de que até na dor há algo que se pode agradecer.

Conclusão

DO-EU ainda não terminou.

Carrego rascunhos, ideias e esboços que um dia também se transformarão em obra — porque esse diálogo entre fé, corpo e imagem continua vivo.

Desejo que essas criações alcancem corações cansados e desesperançados, como o meu já esteve.

Que encontrem nelas um sopro de fé, mesmo que pequena, mesmo que trêmula — porque é nela que sigo: entre o tempo e o eterno, entre o silêncio e o milagre.


21 Out 2025

DO-EU

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